6/07/2008

Engenharia de um projeto social business!
Quais são os desafios para um grande grupo lançar um social business?

A partir das nossas pesquisas de casos e visitas aos atores mais inovadores no que concerne soluções de negócios para problemas sociais, podemos a priori elencar duas importantes abordagens para lançar um projeto de Social Business.
A primeira trata-se de um prologamento da missão da empresa, isto é, nada mais lógico que considerá-la quando da criação do projeto. Por exemplo, a missão da Danone é “fornecer saúde através da alimentação ao maior número de pessoas possível”. Em nossa entrevista com o gerente do projeto e diretor do fundo de investimento DanoneCommunities, Emmanuel Marchant, ele nos explicou que o projeto nasceu de uma conversa entre Yunus e o presidente do grupo Danone, Franck Riboud, por ambos apresentarem raciocínios similares de como um negócio deve atuar, assim como a proposta era completamente de acordo com a missão do grupo.
Uma segunda abordagem é relacionada às expectativas dos stakeholders e os impactos sociais da empresa. Neste caso, utilizo o exemplo de Grameen Veolia Waters. Com o enorme desafio mundial de distribuir água potável a milhares de pessoas que não possuem acesso, as expectativas recaem sobre aqueles que têm expertises e condições de contribuir para a resolução do problema. Assim, torna-se estratégico para a empresa desenvolver um modelo de negócios que vai além das expectativas dos stakeholders e, ainda, oferece um laboratório de inovação para seu negócio.
Por que então as duas empresas, e outras, não formularam estratégias como essas anteriormente? Por que ninguém havia ainda imaginado um negócio que antes de tudo possui um objetivo social ao invés do esperado retorno aos acionistas. Por que antes a solução era a “responsabilidade social” de maneira alienada do core business. Mas os pioneiros existem, e vão investir todos os recursos possíveis para mostrar que não apenas os empreendedores sociais tradicionais podem produzir transformações sociais, mas empresas também podem contribuir e muito para uma nova sociedade, e sobretudo, para um novo sistema capitalista.
Yunus mostrou a possibilidade de se fazer muito com muito pouco investimento financeiro para um grande grupo empresarial. Para ilustrar, o investimento feito por Danone, na ordem de 500 mil euros, representa menos de 0,01% do faturamento da empresa no segmento de laticínios em 2007.

O que faz um projeto de social business dar certo?

Aparentemente, os projetos envolvendo grandes grupos exigem de início uma comprensão dos campos sociais em que o grupo pode atuar. Para que o projeto esteja alinhado com o negócio, uma análise dos riscos sociais do negócio é importante. Isso nos permite identificar quais são as expectativas dos stakeholders e qualificá-las. Isso servirá como base para os campos de ação do social business. A partir deste referencial, avalia-se em quais campos as competencias do negócio seriam mais eficientes e bem utilisadas.
O comprometimento do grupo na operação e estratégia do social business é essencial para seu sucesso. Claramente, em razão disso, em todos os projetos que visitamos, percebemos o alto nível de comprometimento dos executivos no projeto. Isso é muito bem reprensentado ao analisarmos o posiocionamento do projeto perante suas organisações. Nenhum deles está ligado a um departamento suporte, como RH ou Desenvolvimento Sustentável, e sim às áreas de negócio da empresa. Mais recentemente, a Sustainability publicou um paper sobre intra-empreendedores sociais, explicitando os tipos de executivos envolvidos em inovações como essas. Definitivamente, essa é uma importante figura para o sucesso do negócio.
Outro ponto em comum aos projetos que visitamos é que todos encontraram um parceiro com experiência na solução de problemas sociais, capacitado a trabalhar com um grupo empresarial. São diversas as razões, desde entendimento dos termos e exigências de um negócio até a capacidade operacional de contribuir com a iniciativa. Vide a experiência de Essilor e Aravind. Ambos extremamentes competentes para formar uma parceria, sem que um possa se aproveitar do outro. Encontrar um parceiro em alguns países pode não ser tão simples, então considerar um parceiro estrangeiro é uma opção.
No caso do Brasil, onde concentram-se aproximadamente 35% dos fellows Ashoka, entre os quais vários são bastante reconhecidos, as empresas não teriam muitas dificuldades para formar parcerias em projetos deste tipo. Além disso, cada vez mais os empreendedores estão capacitados a atuar internacionalmente, uma vez que suas soluções estão constantemente sendo replicadas alhures.
Operacionalmente, pudemos observar alguns desafios em comum entre os projetos que estudamos e visitamos. Dentre eles:
1. Definir claramente o objetivo do social business, qual será o seu público, qual será a estratégia para atingí-lo e quais são as condições da parceria. Isso significa comprometimento com os objetivos, uma vez claros, e com as responsabilidades de cada parte. Na realidade, é mais do que isso, pois o projeto tem impacto direto na vida das populações e um possível desentendimento das partes e/ou mudanças radicais no projeto afetariam também populações em condições assaz adversas.
2. Flexibilidade. Isso foi bastante enfatizado em nossas visitas, seja do lado do empreendedor social, seja do lado do business.
3. Disposição e investimento em capacity building. No caso da Grameen Danone Foods, o investimento do social business para criar toda a cadeia de aprovisionamento e distribuição foi, e ainda é, intensa.
4. Empenho na análise dos riscos do projeto, não apenas para a sociedade e para o social business, mas também para as organisações envolvidas. Neste caso, vale avaliar as diferenças estratégicas entre o projeto da Danone e Essilor. Ao final deste artigo, dedico uma parte a esta questão. Outro ponto que muito nos chamou a atenção é relação da indústria de microfinanças com fundos de investimento comerciais, sobretudo os riscos para a gestão da instituição relacionados à mudanças na estrutura de capital.
5. Visão holística do potencial de impacto do social business, especialmente com relação à revisão de práticas de negócio corriqueiras. Claramente, no caso de Grameen Danone, a opção por pequenas usinas de produção foi uma revolução na maneira de pensar dos engenheiros do grupo.
6. Manter foco na redução dos custos para o cliente, como ocorre com o investimento em técnologia pelo Aravind Eye Hospital, através de seus eye camps, para evitar que o paciente gaste com o deslocameto até o hospital para apenas participar da triagem.
Existem muitos outros, mas estes nos parecem a priori os mais pertinentes, exigindo, segundo nossos entrevistados, grande atenção.

Porém quais os riscos dessas estratégias para a sociedade e os negócios?
Quando trazemos negócios para soluções sociais, precisamos estar atentos para que o cumprimento da missão inicial continue sendo o objetivo principal, de modo que o resultado do projeto seja garantido e distorções e externalidades negativas não ocorram. Isso ficou bastante claro ao entrevistar Vikrum Akula, fundador da SKS Microfinance, e que recentemente recebeu um aporte de capital do fundo de investimento commercial em private equity, Sequoia Capital, de aproximadamente 12 milhões de dólares.
Segundo Vikrum, assegurar que os investimentos comerciais que a indústria da microfinança está recebendo ultimamente, devido sua maturidade, serão utilizados para reduzir a pobreza, será um dos principais desafios. Segundo ele, o sistema de accountability das IMFs precisa evoluir, os riscos precisam ser mensurados e o investimento em profissionais vai permitir a canalização de recursos para os mais necessitados de maneira eficiente.
No entanto, os riscos também são relacionados aos grandes grupos e suas estratégias com relação ao Social Business. Por exemplo, o grupo Danone decidiu pela criação de um fundo de investimento, DanoneCommunities, para ser o responsável pelo projeto, diminuindo o possível impacto de uma empresa de capital aberto cotada em bolsa no projeto. Além disso, permite a participação de outros investidores na capitalização do projeto.
Ainda com relação à estratégia da Danone, o grupo optou por uma ampla comunicação do projeto – criação de um blog, exposição midiática do projeto, eventos, etc. A alta exposição do projeto também podem apresentar riscos para o grupo. O grupo Danone, dada esta exposição, deverá investir recursos para fazer o projeto dar certo, ainda que ele comece a apresentar problemas. No entanto, ela usufrui dos benefícios desta estratégia em ganhos de imagem junto ao público interno e externo. Vale ressaltar que a alta transparência possui também o objetivo de facilitar que outras empresas se empenhem em projeto parecidos. Segundo Emmanuel Marchant, a joint-venture tem também a missão de mostrar para outros que é possível. Se uma outra empresa fizer um projeto parecido, mais populações marginalizadas serão beneficiadas.
Ao contrario de Danone, Essilor, muito mais prudente, pouco divulgou sua experiência com o Aravind Eye Hospital. Obviamente, não muito ganhou com o projeto em termos de imagem. Mas certamente, os ganhos em termos de know-how, inovação, comprometimento dos profissionais, foram enormes.

Por Fernando Mistura
Co-fundador do The 2.5 Sector Project
f.mistura@gmail.com

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O que é um Negócio Social?

Organização cuja missão é explícitamente de transformação social e que para isso adota estratégias de negócios geradoras de renda como principal veículo para atingir seu propósito social, impactando diretamente a vida de populações fragilizadas. Pode assumir um modelo com ou sem finalidade lucrativa, mas sua autonomia financeira é dada pela atividade-fim da empresa. Os principais campos de atuação são: alimentação, serviços financeiros, acesso à energia e água potável, desenvolvimento econônomico, saúde, etc.